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Arquivo da tag: Laphroaig 10 anos
Por “O Cão Engarrafado”
Sem nenhuma dúvida, um dos maiores compositores da virada do século 19 foi Igor Stravinsky. Mais do que um excelente músico, o maestro desafiou dogmas seculares da música clássica. Seu trabalho revolucionou a estrutura rítmica da música erudita, e foi largamente responsável pela consagração do dodecafonismo e serialismo como técnicas de composição. Mas fique tranquilo, isso não é um texto sobre música clássica.
Além de gênio musical, Stravinsky era também um homem de bom gosto, e muito espirituoso. A prova disso é sua frase “Meu Deus, tanto gosto de beber whisky que as vezes penso que meu nome é Igor Stra-whisky”.
Mas nem sempre as coisas foram fáceis para Stra-whisky. Durante sua vida, muitos de seus trabalhos geraram enorme polêmica. A história mais conhecida é da estreia do ballet “A Sagração da Primavera”, que ocorreu em 1913 no Théâtre des Champs-Élysées de Paris, e foi uma das primeiras obras dissonantes do mundo. Já no início do espetáculo, a plateia assoviava e vaiava. Até que, em uma escalada de fazer inveja a qualquer torcida organizada de futebol, os ouvintes começaram a chutar-se mutuamente, aos berros, arrancando poltronas e as arremessando nas cabeças uns dos outros.
Enfim, um ballet tranquilo, com gente equilibrada.
Um fenômeno parecido ocorreu recentemente com a Laphroaig, localizada na ilha de Islay, na Escócia, e famosa por seus whiskies com aroma defumado e bastante encorpados. No ano passado, a destilaria lançou o Laphroaig Select, uma versão mais democrática de sua obra já consagrada. E isso gerou muita polêmica entre seus fãs.
A maior crítica seria que a Laphroaig, ao invés de presentear seus fiéis com outra variação sobre o mesmo tema, teria preferido criar algo mais suave, menos encorpado e menos defumado. Um Laphroaig uma oitava acima. Na cabeça dos críticos, a ideia teria sido tentar agradar ao público ainda não fidelizado e aumentar as vendas da destilaria. Por conta disso, a reação de seus fãs foi também uma versão suavizada de “A Sagração da Primavera”. Sem descontrole físico-emocional e arremesso de cadeiras. Mas com muita gritaria.
No meu caso, a polêmica internacional despertou uma curiosidade quase doentia de experimentá-lo. Mas como sou fã de whiskies defumados, e especialmente da Laphroaig, imaginei que não passaria da primeira dose. Só que não foi o que aconteceu.
Se comparado às demais expressões da destilaria, o Laphroaig Select é, de fato, um whisky mais suave. Os aromas defumado e de maresia estão lá, só que mais discretos. E o sabor picante também, ainda que também suavizado, principalmente por conta da graduação alcoólica de apenas 40%. No entanto, o Select continua, sem dúvida nenhuma, a ser um Laphroaig. Tipo catupiry light. Continua sendo catupiry, só que mais leve.
Pensando bem, não. Catupiry light é qualquer coisa, menos catupiry.
O Laphroaig Select é composto por um pouco de quase tudo que existe no atual portfólio da Laphroaig. Em sua fórmula estão o Laphroaig PX, maturado em barricas de ex-jerez, o QA Cask, que utiliza barricas de carvalho branco americano, o Triple Wood, que é uma versão do Quarter Cask maturada em barricas de jerez, bem como o clássico Laphroaig 10 anos. Estes whiskies, depois de combinados, são maturados em barricas virgens de carvalho americano.
É inegável que, assim como “A Sagração da Primavera” de Stravinsky o Laphroaig Select destoa dos demais whiskies da destilaria. Mas não vá lançando seu mobiliário nele só por conta disto. Experimente. Se você, como eu, é cachorro velho frente aos single malts de Islay, abaixe suas orelhas e reconheça: poucas vezes a Laphroaig produziu algo tão versátil sem comprometer a complexidade, e com um preço tão convidativo.
Agora, se você for um iniciante nos whiskies defumados, o Select é simplesmente imperdível para você. É sério. Se Igor tivesse experimentado, mudaria seu sobrenome para Laphro-vinsky.
Tipo: Single Malt sem idade definida
Destilaria: Laphroaig
Região: Islay
ABV: 40%
Notas de prova:
Aroma: medicinal e defumado, mas não tanto quanto o Laphroaig Quarter Cask ou o 18 anos. Aroma de madeira queimada e frutas cítricas.
Sabor: defumado e levemente cítrico (limão siciliano), com capim santo, e final amargo e longo. Ao contrário da maioria dos Laphroaigs, há pouco defumado no sabor residual.
Com água: adicionando-se agua, o aroma defumado torna-se muito mais leve, e o limão siciliano fica mais evidente. O sabor de capim-santo também é ressaltado.
“O Cão Engarrafado” é Maurício Porto, advogado e colecionador de whisky. Seu interesse pelo destilado nasceu após uma viagem à Escócia, onde conheceu várias destilarias e o processo de fabricação de seus whiskies. Participou ainda de diversos cursos sobre a bebida, muitos organizados pela Single Malt Brasil (SMB) e pela Wine and Spirit Education Trust (WSET) de Londres. Assina o blog homônimo, “O Cão Engarrafado” (www.ocaoengarrafado.com.br).
No sábado passado (18 de maio) estivemos conduzindo um minicurso com degustação de whisky escocês na bonita cidade de Canoinhas, no planalto norte catarinense. O evento foi uma experiência muito gratificante para nós da Single Malt Brasil.
Com 55 mil habitantes, segundo o censo do IBGE de 2010, Canoinhas é uma cidade pequena para os padrões populacionais brasileiros, mas que abriga um grupo de aficionados por whiskies single malt.
Fomos gentilmente convidados pelo advogado Tadeu Trevisani para conduzir o curso/degustação na cidade. E o grupo de participantes não poderia ser melhor, com grandes entusiastas de whisky que já conheciam bem single malts importantes como: Highland Park, Macallan, Lagavulin, Talisker, para citar alguns.
Provamos ao todo 6 whiskies: Whyte & Mackay 22 anos, Laphroaig 10 anos, Whisky Surpresa, Famous Grouse Blended Malt 12 anos, Macallan 12 anos e Glenmorangie Lasanta 12 anos.
Passamos, sem dúvida, uma ótima noite em Canoinhas ao lado de nossos anfitriões. E esperamos um dia poder voltar a essa cidade que nos acolheu tão bem.
E o”whisky surpresa”? Bom, é sempre “surpresa”.